domingo, junho 06, 2004

Diário da expedição à Serra do Norte - I Parte

Euclidianos viajavam vendo a Terra, o Homem e a Luta do seu dia-a-dia como testemunhas que percorriam, num eixo temporal vertiginoso, a viagem de volta às origens. De tempos em tempos no processo cotidiano assistiam à iluminação de suas sensibilidades pela ardência na garganta. Os primitivos faziam música, catavam piolho, brincavam, riam, cortavam os fios telegráficos e matavam. Nossas lentes fotográficas faziam as vezes de distraí-los. Éramos como os americanos são para nós fora do seu território: não sabíamos de nada do óbvio, mas nossos semblantes de esforço, de vontade de saber, apaziguavam nossa condição de forasteiros ameaçadores. Eles ainda não sabiam que suas faces ficariam para sempre impressas em alguma superfície, e que seriam vistas com condescendência pelos civilizados de alhures no exato momento em que estariam dando continuidade às suas rotinas, fizesse chuva ou sol, fosse noite ou dia.

Salvo-conduto! Transpunhamos as fronteiras do imaginável apenas respondendo às curiosidades perscrutadoras dos fiscais dos postos dos sertões. Bastava ser suscinto: atacaram? convidaram? ofereceram? Saciar a sede das harpias covardes transmutadas pela vida nas afastadas sertanejas nos permitia prosseguir viagem. Tratava-se não mais do Homem, e nem ainda da Cultura. Estava ali presente a banal realidade: eram um - e outro.

O cheiro da madeira queimada e o estalado dos gravetos sobre as pedras do caminho talvez pegassem mais na lembrança do que no vivendo esse momento. Não sei. De lá pra cá mudei, mudamos, de qualquer forma. Quem sabe um dia voltar da Serra do Norte ? A bem da verdade estamos voltando desde então.

4 Comments:

Blogger ipaco said...

quê isso? Castro Faria?

9:21 PM  
Blogger ips said...

Não, Soraya Silveira Simões . Subiu até Cuiabá e de lá partiu para a grande viagem com o jovem Castro, Levi-Strauss e senhora, com cerca de 1500 kg de bagagem e uma leveza de ainda só existir em hipótese.

9:54 PM  
Blogger ipaco said...

Mais, ça c'est genial, ma petite! Mande mais de seus diários de campo desse Brasil tangido pelos sonhos e a imaginação. Fico imaginando o quanto o Castro e o Lévi não perderam por não terem ali a Soraya pra dar atalhos às ponderações. Fazer o quê se ela ainda estava por nascer!

2:02 PM  
Blogger ipaco said...

Reli esse texto agora. Depois do Recife, depois de uma aula com o Mello em que o Euclides foi um dos personagens com sua visão do homem, da terra e da luta. Um texto superior, abrindo uma viagem que mexe e remexe internamente, deslocando-nos para nossos sertões, para nossos Canudos, dando um passeio na indigência da vida pra poder reaprender o gosto das coisas. Viva! Salve!

7:29 PM  

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