sábado, julho 01, 2006

Paris, 10 dezembro 2005

Passando batom nos lábios, a boca em forma de O e diante do espelho, parei no ato. O que mais eu precisava além de parecer bela para mim mesma? De um batom? Parei. Parei e me olhei séria, sem direito à riso ou dor. Viva.

Reproduzia ali um ato de família e de bastidores quando resolvi parar. A tal persona, auto-flagelada, me mandou parar - e eu obedeci. Parecia que renascia ali, diante do espelho, de batom. E séria: sem direito à dor ou riso.

Cheguei ao mundo sem grito. Um silêncio profundo me trouxe à Terra, ao quarto, ao meu corpo e ao que naquele instante compreendi: num átimo tudo se desfaz.

A máscara precisava despencar como uma pétala, com uma lágrima, pra rebentar o texto onde agora me encontro. Ousadia da palavra calada há eras e um brilho no ato diante do espelho me fez raiar em franco silêncio. Volto à mim, bem depois do agora, sem mais nada precisar dizer, embora eu sinta. Eu sinto muito.

- O que você fez hoje? - eis uma possível pergunta. És uma possível pergunta para o meu próximo diálogo. Dizer o quê? - "Renasci"?. Entenderias isto? Mas não importa. Aliás, pouco importa nas palavras que nada querem dizer. E eu recomeço ardendo: faltou coragem para entender o meu renascimento.

Você não estava lá. Ninguém estava. Persone. Eu cheguei só. E sinto: uma ausência de expectativas quanto ao que virá quando eu colocar meus pés para fora deste quarto, meu mundo.

Lá de fora conheço algumas ruas, prédios, praças. Algumas árvores, cheiros, cantos, temperaturas. Conheço pouco de tudo isso, muito pouco do possível. Quem sabe, quem sabe agora, tendo eu renascido, a minha carne esquente até fundir-se no asfalto do mundo exterior? Duvido e já digo aos ventos que será esta a minha dúvida única e primordial: duvido me desfazer em faz de conta desta vez e é por isso que reafirmo, para nunca mais refazê-lo: hoje eu renasci.