quarta-feira, março 29, 2006

gota de partida

Chorei. Chorei ali sentada. Sentada diante da janela e da cortina de rendas. Da janela e da cortina de rendas que umedece a luz sobre o plan de travail tão minuciosamente concebido por você para nós, por sua ânsia em transformar o apartamento em algo que pudesse parecer uma casa. Nossa casa. Chorei e você estava na cozinha, preparando um pedacinho de pão com manteiga e alguma oliva para trazer, de surpresa, até a minha boca. Chorei por me extinguir desse nosso belo canto dentro de pouco menos de dois meses. Chorei pela dureza de pensar em tudo isso sem que você soubesse. Chorei porque te vi ingênuo enquanto eu lamentava desde já a despedida desse amor.

No entanto sequei o choro ao me ver chorando despedida. Parei de chorar. Parei de nos esgotar. E abri um sorriso com o aviãozinho de pão que pousou na minha boca pelas mãos do piloto amado. Você me fez um carinho e aterrissei na hora. Aterrissei no nosso ninho.
– Meu amor, eu vou embora...

Nos teus braços me protegi da ilusão desta distância oceânica. Você sentiu o meu medo e o meu frio e me lançou o teu olhar suado. O teu olhar suado depositou na minha alma a quinta-essência deste nosso inesgotável ágape íntimo. O teu amor me trouxe. O teu amor me trouxe de volta à materialidade de nossas coisas. Coisas... sobre uma mesma superfície – nossa. Nós temos já coisas em comum. O teu amor é o meu amor. O nosso amor dá cria.