sexta-feira, março 13, 2020

ponto de poder


     Numa segunda-feira ensolarada de julho, última semana das férias que já duraram pouco, a menina mulher caminhava com os olhos do espírito colados em cada passo dado, agarrada desesperadamente no movimento do próprio corpo, nas batidas pálidas do seu coração, em cada ar escorregando narina adentro, brotando nos alvéolos do pulmão. Era preciso voltar-se para si sem concessões, à luz do azul infinito.
     O que poderia ter maior poder sobre sua vida naquele momento, senão o que sempre a mesmerizou: o sonho do amor romântico. Caminhava em sonho, mas, na manhã de hoje, em sonho de colocar um ponto final. Um ponto final. Ponto. Um ponto final. Queria ter algum poder, ao menos algum poder que pudesse, talvez, revelar o seu poder naquela história falida. Achava que tinha algum poder. Achava que dominava, achava que o que tinha acontecido acontecia por seu poder. Ao sonhar com um ponto final, na manhã de hoje, ela pensava poder fazer isso. Um ponto final.
     Um ponto final resolveria tudo. Resolveria seu problema. Iria lhe assegurar que a história lhe pertencia. Seria sua autora. Dona da história, criaria um final para que pudesse pôr fim, de uma vez por todas, a todas as suas esperas sem fim. Esperas alimentadas por um amor mal resolvido do lado de lá. Ia assim, sonhando, enquanto caminhava agarrada ao seu corpo, sôfrega, alienada.
    “Do lado de lá”, pensou, “será que faz sentido?”. Achava que a paz e a alegria existentes do lado de lá, segundo se contava, eram sustentadas pelas suas entregas periódicas, insuflantes, animadoras, estimulantes. Ao mesmo tempo, sabia, lá no fundo, que tudo não passava de um sonho, ou melhor, de uma especulação edulcorada. Mas, ousada, insistia. Insistia em ser romântica. O ser amado poderia ter todas as qualidades mas, se não fosse seu, as perderia. Tinha esse poder de arrancar qualidades do mundo e não sabia direito. Não sabia direito que o poder que tinha era o de tornar o mundo um lugar encantador. Esse era o seu lado menina, composto por vários outros lados, sendo um deles o lado birrento e, um dos outros, o encantador.
     O seu lado mulher era afável, condescendente, compreensivo, apaziguador. Um pouco envelhecido, pois moralmente descrente. Nada ia bem, fora dos corações apaixonados. Ao nascer, um tio-avô disse à sua mãe: “essa é filha de Nanã Buruquê”.