sexta-feira, novembro 12, 2004

ODE DE AMOR E ÓDIO

Volve aqui a pomba branca, carrapichada de alecrim como quem vem de uma ninhada
Longos anos
Vejo bater a onda ocre e verde
Voa, pomba, voa
O mar revolto serenou sob as asas do teu vôo
Parece sonho. A turva possibilidade do que se pensa inatingível
Abraço terno de cumplicidade eterna
Vento – anos! – vento me fecunda onde apanho a dor para alimentar meu feto negro
Meu afeto, meu aflito,
Minha flauta soando no subterrâneo
Ecoando ecoando ecoando até a pomba
Pomba gira, minha pomba gira gira esse mundo
Levanta esse rasgo de breu
Esse miasma
Esse marasmo
Essa inércia, inapetência, descoberta indébita
Indelével, saber de si naufragada
Morta, mulher morta
Medo, acuda, medo
Soltar-se
A vida é bela... "é bela"
O apanágio é que te enerva. Enuncia, não anuncia. Enuncia sempre que a vida é bela. Mas ninguém – eu – me entendo ou me permito vivendo essa vida que se falam bela
Foi um dia. Foi um dia em que disse que me permitia gostar de alguém.
Nunca mais. Nunca mais me foi tão bela, nunca mais. Minto para enfatizar uma dor. Dor que é medo, dor que quero tanto para poder me matar. Dor que quero tanto para poder me justificar diante da incapacidade de viver a vida. Dor que quero tanto por não ter me feito cumprir as ordens ineptas da serenidade. Dor com que quero agora me castigar, dor que me fustiga, para poder a ti desejar a morte.