domingo, janeiro 23, 2005

Universo em Desencanto - uma homenagem à cultura Racional

Já ia longe o tempo em que eu achava rebeldia questão de pose. Cigarros eram um bom acessório para tanto. Caretas, supostamente, não fumavam. E assim detonei-me, por ser careta e não querer entender que havia algo muito mais profundo para se descobrir à respeito da vida.

De repente me vi só, sem nem mesmo a fantasia. Fantasiar pra quê, se elas não saíam do papel ou, se saíam, em pouco tempo me abandonavam? Me vi só. Salvo um ou outro telefonema pra me tirar da solidão. Havia, sim, a batida do relógio que novamente tomava conta a me dizer que era tempo de se prestar à solidão.

Tinha então 30. Na literatura era eu uma balzaquiana. Na sala, esticada no tapete, era apenas uma mulher sem sonhos. Uma rebelde flagrada por um profundo sentimento espartano. A dor que sentia já se ia, o cigarro já se ia. Ia, enfim, uma vida cheia de nuvens. O algodão do tapete e seu desprejuizo ao tato me alertaram para a doçura do conforto. Onde estavam as crianças que compunham a doce prole de uma tarde de domingo? O calor que um olhar transmite ao reconhecer-te como alguém precioso e preciso no mundo? E o barulho a deslocar brisas e atenções, nos chamando para o abrigo ou para o soltar-se desprovido de destino? Tudo isto não chegara. E no entanto, já se ia.

Lá se iam 30 anos retirando-se dessa deschegança. Aos poucos, num parto sem dor. A ausência completa de sentido que a despedida, dadivosa, me guarnecia, prenunciava....



"Amanhã parto para Paris". Um ano a mais nessa vida. Veja só: “nessa vida”. Estou indo para uma possível treva na Cidade Luz, saindo de outra na Maravilhosa que tantos danos me trouxe. Mais um ano, mas que desta vez encarcero num prazo territorial. Pode ser que seja um ano de grandes acontecimentos. Sei bem os custos d’um “pode ser”. Mesmo assim resolvo incluí-lo em meus planos. Com ele digo a mim que a fantasia não morreu, e parto com as malas como que prenhes de figurinos. Cabe agora desfazer-me de muito de mim para refazer-me com mais um pouco.

O sentimento do ego. A amputação maldita de meus desdobramentos. Uma incontornável e lenta caminhada para o fosso de se ver não sabendo crer em qualquer capacidade donativa. Era o fim do amor? Era um fim trágico: usurpar-se do mundo. Não tão absoluto, enfim. Usupar-me-ia de um para avolumar-me num outro, estrangeiro.

- Nenhum mal. Quer dizer... - Nada mal, já que tudo....



Ainda estava por se fazer o caminho da colheita. Ele, contudo, já havia começado com as tais desilusões.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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5:12 PM  

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