sábado, janeiro 29, 2005

Ou desce ou dá

Só se começa algo com alguma decisão. Algo começa: decidi. Decido: logo faço. Decido: logo, logo. Decido: "já vai!". Decido indo. De cindindo, me parto. Partindo, decido: me Paris - "vou!". Já decidi.

domingo, janeiro 23, 2005

Universo em Desencanto - uma homenagem à cultura Racional

Já ia longe o tempo em que eu achava rebeldia questão de pose. Cigarros eram um bom acessório para tanto. Caretas, supostamente, não fumavam. E assim detonei-me, por ser careta e não querer entender que havia algo muito mais profundo para se descobrir à respeito da vida.

De repente me vi só, sem nem mesmo a fantasia. Fantasiar pra quê, se elas não saíam do papel ou, se saíam, em pouco tempo me abandonavam? Me vi só. Salvo um ou outro telefonema pra me tirar da solidão. Havia, sim, a batida do relógio que novamente tomava conta a me dizer que era tempo de se prestar à solidão.

Tinha então 30. Na literatura era eu uma balzaquiana. Na sala, esticada no tapete, era apenas uma mulher sem sonhos. Uma rebelde flagrada por um profundo sentimento espartano. A dor que sentia já se ia, o cigarro já se ia. Ia, enfim, uma vida cheia de nuvens. O algodão do tapete e seu desprejuizo ao tato me alertaram para a doçura do conforto. Onde estavam as crianças que compunham a doce prole de uma tarde de domingo? O calor que um olhar transmite ao reconhecer-te como alguém precioso e preciso no mundo? E o barulho a deslocar brisas e atenções, nos chamando para o abrigo ou para o soltar-se desprovido de destino? Tudo isto não chegara. E no entanto, já se ia.

Lá se iam 30 anos retirando-se dessa deschegança. Aos poucos, num parto sem dor. A ausência completa de sentido que a despedida, dadivosa, me guarnecia, prenunciava....



"Amanhã parto para Paris". Um ano a mais nessa vida. Veja só: “nessa vida”. Estou indo para uma possível treva na Cidade Luz, saindo de outra na Maravilhosa que tantos danos me trouxe. Mais um ano, mas que desta vez encarcero num prazo territorial. Pode ser que seja um ano de grandes acontecimentos. Sei bem os custos d’um “pode ser”. Mesmo assim resolvo incluí-lo em meus planos. Com ele digo a mim que a fantasia não morreu, e parto com as malas como que prenhes de figurinos. Cabe agora desfazer-me de muito de mim para refazer-me com mais um pouco.

O sentimento do ego. A amputação maldita de meus desdobramentos. Uma incontornável e lenta caminhada para o fosso de se ver não sabendo crer em qualquer capacidade donativa. Era o fim do amor? Era um fim trágico: usurpar-se do mundo. Não tão absoluto, enfim. Usupar-me-ia de um para avolumar-me num outro, estrangeiro.

- Nenhum mal. Quer dizer... - Nada mal, já que tudo....



Ainda estava por se fazer o caminho da colheita. Ele, contudo, já havia começado com as tais desilusões.

sábado, janeiro 22, 2005

Ars prima

Sinceridade

É muito mais
do que falar verdade
pois mais se faz
em não saber mentir

Erickson Luna - meu prumo ético.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Ars Prima

Ela é muito sensível às artes. Ás artes da vida: ao ritmo, ao saber andar nas alturas, ao olhar e ver, sobretudo "coisas", e outras tantas capacidades artísticas. Quer saber?: ela se descobriu sabedora de viver - uma Brincante!

sexta-feira, janeiro 07, 2005

a menina queria ganhar chão

Amor inacabado não é amor, é obsessão. Ele tentava refazer algo que não seria mais refeito. Se soubesse que era tudo na vida feito constantemente, talvez não se engajasse com tanto afinco na resistência de um momento e deixar-se-ia viver mais que tudo e plenamente.

Ela queria ganhar chão, a menina, pois agora entendia que lhe encurtaram o caminho as cercas morais da criação e de todo um universo onde havia crescido. Era preciso avançar, ir além deixando no chão a bagagem pesada do medo e da culpa, peças que até então contribuíam em sua frenagem, ceifando-lhe o ímpeto de viver sem limites.

- Estavas plena de vida densa! Sentias frissons e entusiasmos diante do mero azul do céu, de uma brisa do leste, da expansão de tuas narinas. E agora? O que fizestes desta capacidade de ser feliz? Escondera-lha do mundo à custa de que? Quem te mandou apagar teu coração, fingir que ele não se doa? Por que, por que deixastes que te cortassem o fio tênue da confiança, essa virtude que nos mantêm abraçados à vida?

Ela pensava em tudo isso que a sua consciência vinha há tempos lhe cobrando. Menos mal: sabendo desses caminhos por onde deixar vagar os devaneios, bastava-lhe ter coragem para deixar o medo e ganhar chão, construir um mundo, fazer crescer gente ao redor de si. Bastava, enfim, refazer o caminho de volta à integridade de seus valores. Pautar-se para seguir viagem, sabida que era já do seu lugar no mundo. Sabida que o tempo das sombras na caverna já era. Sabida que só ela!

Não tardou a se lançar pelas trilhas do mundo, onde quer que as houvesse e de que jeito fossem: picadas na mata, estradas de ferro e rodagem, pontes aéreas e caminhos marítimos.

De tudo o que lera restava-lhe a vaga sensação de que tal consumo havia lhe servido de barreira contra o convívio no mundo. Aliás, erigir obstáculos deste tipo fora até então a sua especialidade. Adquirira vários vícios, desde as drogas químicas até o relaxamento da pupila, cujo condão era torná-la invisível. Tudo o que pudesse fornecer o seu afastamento dos outros ou até de si mesma lhe era conveniente.

De fato restava agora percorrer o mundo. Isolar-se até mesmo da permanência constante no seu espaço familiar. Deixaria o seu quarto, suas plantas; deixaria de acompanhar o crescimento delas. Abdicaria de qualquer relação de intimidade com o que quer que fosse, sem se dar conta dos riscos dessa empreitada. A determinação lhe dava ímpeto, plenos pulmões para assumir os custos altos deste passo dado. Era ela quem distorcia sua ótica da vida – a determinação –, e quem viria mesmo a enraizar o vetor destrutivo que passaria a caracterizar essa pobre menina que agora vinha vindo ganhar chão.

A determinação!

Pelo menos com o passar dos anos ela ia percebendo que as virtudes não existiam puramente. Sua determinação apenas viria efetivar o seu afastamento definitivo do resto do mundo. Ai de quem se aproximasse dela...murcharia na primeira poda.

Pena não mais lembrar o quanto havia banalizado a experiência do encantamento por alguém, do quanto não fazia sentido imaginar o quanto algum certo ser se enquadraria em seus anseios. Tempo em que a fantasia estava no verbo, na ação. Tempo que se foi, engolido e deglutido pelo tempo das credenciais e dos signos de status.

Mas estava determinada: partiria sim. E fazendo o caminho haveria de mergulhar nas profundezas de si mesma até se afogar em algum oceano, em alguma poça, em alguma lágrima. Afogar-se-ia na dúvida e na ignorância do por quê de suas errâncias em erros seus e alheios. Afogar-se-ia para renascer do mar e dos rios, submergir do choro colossal para a constância do firmamento. Oxumaré! E este dia chegaria – sim senhor! –, esse dia chegaria tão logo tomasse consciência – luz interior – de que incerteza não era instrumento adequado para a entrega amorosa. Nesta dimensão, bastava a certeza de se ser e, assim sendo, a vida no enlaço estava já garantida.

“Sem teorias!”, gritava para si. Unicamente a expansão de si no prazer de doar-se absolutamente como uma dízima periódica e receber igualmente assim do si do outro.

A questão era: tinha medo. Bastava cogitar uma recusa para sorrir contidamente. Trazia em si o horror da renúncia e agora a renúncia ganhava terreno.

De bom eram os outros fatos: não precisava mais afirmar nada. Estava conformada com a sua estatura e seu semblante às vezes triste, às vezes soturno, mas freqüentemente simpático – o que lhe abria portas nesse auto-exílio, sempre que necessário.

02 janeiro de 2005.