quinta-feira, junho 23, 2005

O desejo - da mala e da bagagem

A vertigem do tempo me tomou neste exato momento. Vi que num espaço de dias entrava por aquela porta com duas malas contendo aquilo que do outro lado do oceano eu acreditava ser imprescindível neste espaço de tempo e lugar onde me encontro, agora, em pleno curso.

Uso um vestido comprado numa praça em Niterói. Estou sentada na minha escrivaninha, abajour aceso, livro diante dos olhos e pensamento envolto em suposições fenomenológicas e críticas ao que se chama realismo. Estou gostando, estou gostando demais. Eu adoro isso. E, ainda não sei bem porque, me dei conta das coisas que trouxe. Talvez eu pudesse ter trazido outras, pois sinto falta agora de algum crochê. Um creme para a limpeza do rosto por vezes ronda o meu desejo. Não o tenho aqui. Vejo através da vontade momentânea de ter um creme para o rosto que os desejos se apegam ao que não nos está disponível.

Desejo um homem e agora imediatamente já penso se realmente o desejo. Esse homem é um artigo definido e eu fixei nele o meu desejo. Entretanto, me ver tomada pelo instante em que entrei com as malas por aquela porta objetivou uma reflexão a respeito dos meus desejos e dos objetos dos meus desejos. O que trouxe na mala e me era imprescindível até passar por aquela porta já não me é mais tão relevante e insubstituível. Traria outras coisas agora, mas pretendo manter essas comigo não mais por desejo ardente, mas por questões afetivas. Eu gosto delas, mas também desejo outras, sem, no entanto, me encontrar disposta a muito esforço. Nada, portanto, que me suscite uma desestrutura. Não. Essas coisinhas tolas que me eram imprescindíveis continuam me agradando, e ao olhar para elas me vejo como fui ontem e antes, antes, antes, antes...antes.........antes........................... essas coisinhas bobas que desejo não serem maltratadas me ajudam a ver o que quero daqui pra frente.

Quanto ao homem, já o considero uma eterna coisinha boba, e o que eu de fato desejo agora é que tudo corra bem para todas as coisinhas bobas do mundo!

segunda-feira, junho 06, 2005

O ilusionista

Preso à vida da rua Santo Amaro, Amaro da Silva escondia de si e do mundo o seu estranho modo de pensar a vida. Beijava muito, falava pouco. E quando falava hasteava o indicador e as duas sobrancelhas, como se zombasse sempre de uma possível solenidade que pudesse advir do extravazamento do seu brilhantismo oculto, embora ainda que suposto. Mantinha-se oculto e preso ao balcão do velho e imundo bar da rua Santo Amaro.

Amaro da Silva só não sabia que depois de um certo dia a vida não mais passaria ali por aquele bar. Amaro perdia a cada dia a noção de que lá já se ia, dia a dia, a vida a qual cuja espera o havia determinado, todos os dias, àquele mesmo fétido balcão de bar. Amaro era agora um homem sem fim nem começo. Um homem descarrilhado, sem fé nem apreço. Amaro, enfim, era um homem do cacete.

cronicamente inviável

Hoje tentei de todas as formas começar uma carta e vi que nenhum dos estados de espírito que me metamorfosearam deram conta de me fazer sentir em paz com os desejos ensaiados na tela do computador. Apesar de tantos e diversos estados, vi que permaneci esbarrando em um semelhante à confusão. Tenho que jogar a meu favor, não posso mais adiar isso! E partindo deste princípio constato agora que lidar com maluco é um risco para a própria sanidade. O maluco possui uma lógica muito própria, por isso impenetrável. Não havia sentimento traduzido em perguntas ou afirmações capaz de me proporcionar qualquer sensação de alegria, pois se lançar com tanta coisa dentro do peito através de palavras medidas denota um medo de não receber o abraço esperado, a acolhida para esse afeto. Chego a pensar que errei. Digo isso porque talvez eu tenha esquecido de olhar para o elemento mais determinante de todo esse enredo do qual quero agora me desenredar; talvez eu tenha tido medo de reconhecer que lutei contra a loucura, que acreditei estar salvando, e assim acreditei que amava. Estou confusa quanto ao que sentia, e me pergunto: será que salvando buscava recompor a minha integridade ferida? Agora, nessa exaustão que me tem silenciosa e lúcida, vejo que me permiti machucar-me ainda mais abrindo o peito como prova de qualquer coisa que pensava ser amor. Não era. Era ilusão. Pintei um quadro bonito sobre uma realidade apavorante, e agora choro. Mas só por agora. Logo mais terei outras coisas com que me ocupar, outros estados de espírito me arrebatando em direçòes mais claras. Assim espero, enquanto por ora choro. Temo me perder de novo em ilusões. Mais do que isso: eu provei o gosto da ilusão e sei que correrei de novo esse risco, pois não sei viver o amor se não for de peito aberto. Acho que choro agora, exatamente nesse momento, porque me achei bela.