sábado, julho 29, 2006

Praça Tiradentes

Como é a vida: nós nos apaixonamos por ela, a chamamos de mundo e por ele saímos, destemidos. Nessas andanças, um tropeço. O primeiro. Mal nos levantamos, somos solapados por lufadas de desejos. E nos alienamos neles certos de que nunca fomos tão plenos, tão reais, tão cheios de... vida! Nos consumimos por eles. Na melhor das hipóteses, das cinzas renascemos e passamos, então, a tê-los na conta de um cálculo ou medida: - Ser ou não ser? Eis a questão!

Na pior das conjecturas - lá onde nos aguarda sentado, caneta atrás da orelha cabeluda, o Mínimo - supomos entre espasmos de otimismo que o nosso íntimo drama daria uma novela. E a vida, ah... esta dama vagabunda... a Vida corre com o Tempo enquanto em seus braços definhamos, auto-consumidos, ensopados por viscosidades das mais sobejamente deletérias!

sexta-feira, julho 21, 2006

Erótica II

Lânguida a língua rastreia em teu leito o dorso, o peito
Tomando, a eito, o mel do teu fruto desnudo, carnudo
Perfeito.

08 março 2005
00:30

Demência

Corro com as labaredas no peito
Em chamas, torro os meus cabelos
No contratempo, não lamento: morro
Para onde corro, me deleito
De cama, a burilar memórias
Sem mais: febril, derreto.

domingo, julho 09, 2006

Schnittke

A menininha seguia pelo corredor, pé ante pé, amparada em sombras. Pequeneníssima diante da vastidão das savanas que a música vinda da sala desenhava em seu pensamento, a garota entendia perigo na floresta da vida e colava as mãos na parede, sustentando a vista em qualquer mínima claridade.

"Parece música de filme". Eis a descrição corrente para a música contemporânea, música erudita do século XX. Essa música é pingo de água ecoando nos corredores abissais de nossas grutas. Caixinha de música da memória. Endiabrados violinos atormentando o ser embrumado. Acordes abrem clareiras na selva. E seguimos viagem sem saber pra onde estamos indo, mas vamos.

Schnittke em seu segundo movimento do Concerto para Viola e Orquestra faz cair lágrimas dos olhos de tanta beleza. Edgar Varese, puta que o pariu, só um corpo estirado num chão com a barriga voltada para cima pode entender plenamente do que se trata.

sábado, julho 01, 2006

Paris, 10 dezembro 2005

Passando batom nos lábios, a boca em forma de O e diante do espelho, parei no ato. O que mais eu precisava além de parecer bela para mim mesma? De um batom? Parei. Parei e me olhei séria, sem direito à riso ou dor. Viva.

Reproduzia ali um ato de família e de bastidores quando resolvi parar. A tal persona, auto-flagelada, me mandou parar - e eu obedeci. Parecia que renascia ali, diante do espelho, de batom. E séria: sem direito à dor ou riso.

Cheguei ao mundo sem grito. Um silêncio profundo me trouxe à Terra, ao quarto, ao meu corpo e ao que naquele instante compreendi: num átimo tudo se desfaz.

A máscara precisava despencar como uma pétala, com uma lágrima, pra rebentar o texto onde agora me encontro. Ousadia da palavra calada há eras e um brilho no ato diante do espelho me fez raiar em franco silêncio. Volto à mim, bem depois do agora, sem mais nada precisar dizer, embora eu sinta. Eu sinto muito.

- O que você fez hoje? - eis uma possível pergunta. És uma possível pergunta para o meu próximo diálogo. Dizer o quê? - "Renasci"?. Entenderias isto? Mas não importa. Aliás, pouco importa nas palavras que nada querem dizer. E eu recomeço ardendo: faltou coragem para entender o meu renascimento.

Você não estava lá. Ninguém estava. Persone. Eu cheguei só. E sinto: uma ausência de expectativas quanto ao que virá quando eu colocar meus pés para fora deste quarto, meu mundo.

Lá de fora conheço algumas ruas, prédios, praças. Algumas árvores, cheiros, cantos, temperaturas. Conheço pouco de tudo isso, muito pouco do possível. Quem sabe, quem sabe agora, tendo eu renascido, a minha carne esquente até fundir-se no asfalto do mundo exterior? Duvido e já digo aos ventos que será esta a minha dúvida única e primordial: duvido me desfazer em faz de conta desta vez e é por isso que reafirmo, para nunca mais refazê-lo: hoje eu renasci.