sábado, junho 26, 2004

Conexão Recife-Lisboa

Fernando Pessoa ensinou em 1933 o que Erickson Luna, ébrio e lúcido, me fez compreender em 2004.

[PARA SER GRANDE]

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

domingo, junho 06, 2004

Diário da expedição à Serra do Norte - I Parte

Euclidianos viajavam vendo a Terra, o Homem e a Luta do seu dia-a-dia como testemunhas que percorriam, num eixo temporal vertiginoso, a viagem de volta às origens. De tempos em tempos no processo cotidiano assistiam à iluminação de suas sensibilidades pela ardência na garganta. Os primitivos faziam música, catavam piolho, brincavam, riam, cortavam os fios telegráficos e matavam. Nossas lentes fotográficas faziam as vezes de distraí-los. Éramos como os americanos são para nós fora do seu território: não sabíamos de nada do óbvio, mas nossos semblantes de esforço, de vontade de saber, apaziguavam nossa condição de forasteiros ameaçadores. Eles ainda não sabiam que suas faces ficariam para sempre impressas em alguma superfície, e que seriam vistas com condescendência pelos civilizados de alhures no exato momento em que estariam dando continuidade às suas rotinas, fizesse chuva ou sol, fosse noite ou dia.

Salvo-conduto! Transpunhamos as fronteiras do imaginável apenas respondendo às curiosidades perscrutadoras dos fiscais dos postos dos sertões. Bastava ser suscinto: atacaram? convidaram? ofereceram? Saciar a sede das harpias covardes transmutadas pela vida nas afastadas sertanejas nos permitia prosseguir viagem. Tratava-se não mais do Homem, e nem ainda da Cultura. Estava ali presente a banal realidade: eram um - e outro.

O cheiro da madeira queimada e o estalado dos gravetos sobre as pedras do caminho talvez pegassem mais na lembrança do que no vivendo esse momento. Não sei. De lá pra cá mudei, mudamos, de qualquer forma. Quem sabe um dia voltar da Serra do Norte ? A bem da verdade estamos voltando desde então.

gosto por atos de amor

Eis-me aqui, esperando o feijão. Cozinhar é um ato de amor pela espera que se assanha. Nela colocamos cuidado até quando estamos cuidando de outras coisas. Por isso descobri também que é um ato de generosidade. Cozinhar é assaz diferente de esquentar a comida, embora este não seja um ato de todo desprovido de carinho. Até pelo contrário: esquentar o alimento denota gosto. Um tipo de gosto – o pela comida quente.
Eu gosto de comida quente. Só que a quentura não pode ultrapassar o sabor, senão cheira a arrogância. Aí eu como frio que é melhor.
Tem gente que não entende essa escolha pela comida fria e povoa seus argumentos reprovadores com figuras de moral no intuito de nos destituir justamente daquilo que estamos mostrando ter, que é gosto.
Há gosto pra tudo, e é exatamente isto que me faz apostar que para tudo tem solução. Gosto é crença indubitável, fé cega, inquestionável. Definitivamente, gosto não se discute.
Vem de pouco que adquiri o gosto por atos de amor. Foi o espanto do menino com o pombo que me despertou esse bem. Ali fui generosa com o tempo: me deixei admirar a descoberta – a dele e a minha – e nada mais urgia. A generosidade é dona; é, pois, destemida, esvoaça. Decreto o estado de graça!

sábado, junho 05, 2004

Pragmatismo

Eu bem que desconfiava. A umidade dos meus pés decorria da lama onde eles se encontravam metidos. Ninguém via, ninguém reparava. Como se a única maneira de topar com a verdade fosse utilizando o método São Tomé. Vi que cresci ao me descobrir profundamente religiosa. Já não duvido que exista a verdade. Graças a Deus! Ou melhor, graças ao meu bom e velho William James!
Não estou aqui para me explicar muito menos me fazer compreender. Me dei o dom divino da criação desse universo exatamente para inexistir como convém fora dele. Pretendo assim que só eu me acompanhe nessas plagas. Quem vier comigo é lucro. Vou ensaiar ser radical e testar a capacidade humana de ser fiel ao desconhecido. Meus gatos são bem resolvidos nesse quesito. E quando estão com fome, comem! Quando querem dizer alguma coisa, olham, miam, peidam. Sem mistérios.
Percebo já de cara que isso aqui vai organizar a minha vida. É um assalto de tempo. Tenho coisas mais importantes pra fazer e é exatamente por isso que não faço: porque existe um consenso - no qual querem me enfiar - de que isso ou aquilo é mais importante. Posso até concordar que isso aqui, no caso, não importe. Isso é o que importa.

primeiro dia

já imaginava que fosse assim. O teto sem fim a que chamamos de céu está mais para claro - é dia - e eu, pelo visto, continuo com tudo em cima: dez dedos nas mãos, dez nos pés, um montão de coisas que imagino ter que fazer e outras tantas que não devo mas quero e nem sei por onde começar. Resumidamente posso dizer que a vida é isso. A vida em blog é a mesma coisa. Uma invenção a mais para despejarmos no mundo uma seleção de nossas substâncias. Dependendo das letras que escolho pra pôr aqui, uns ficam outros vão. Quão frágil, quão volúveis somos! Palavras. Nada além de um som nos atrai ou expele. Mas insistimos em complicar a vida com fórmulas, equações, metafísicas. A vida, como diz meu amigo Fernando Pessoa e o Auto-Joel, é íntima. Vá então plantar batata!

sexta-feira, junho 04, 2004

tateando o novo mundo

bom, começo essa história meio que por influência (voluntária, já que é pra se desculpar) com um fundo preto porque é noite. Por sinal, linda como todas as noites. E eu estoy aqui acompanhada, deixa-me ver... são tantas coisas, tantos objetos, tantas idéias...carne mesmo só a minha. Mas vejamos: há um copo de vinho preenchido com cerveja Skol ao meu lado, o "Pragmatismo" do William James à cotê aussi, o Joaquim Callado sendo interpretado pelo Sivuca na dimensão do som e, dentro de mim, uma vontade incontrolável de botar palavras escritas no pensamento - coisa que faço agora no nascimento desta coisa.

Pode ser que logo mais eu diga algo mais. Não sei. Não sei nem se vou amamentar isto aqui. Talvez eu deixe morrer e vele pra ver como é.